segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Governo e oposição assinam acordo de divisão de poder no Zimbábue

Os partidos políticos rivais do Zimbábue assinaram um acordo histórico de divisão de poder nesta segunda-feira, marcando o que pode ser o fim da violenta crise que paralisou o país desde as eleições de marçओ.
Segundo o acordo, o presidente Robert Mugabe --que está no poder há 28 anos-- cederá parte de seu poder com a oposição, incluindo Morgan Tsvangirai, líder do Movimento pela Mudança Democrática (MDC, na sigla em inglês), principal partido opositor de seu governo.
Tsvangirai derrotou Mugabe nas eleições presidenciais realizadas em 29 de março, mas por não ter obtido maioria absoluta dos votos foi realizado um segundo turno, em 27 de junho. No entanto, uma semana antes da realização do mesmo, Tsvangirai se retirou das eleições por causa de ataques contra seus partidários por forças fiéis a Mugabe, que obteve mais de 80% dos votos.
O acordo foi assinado por Mugabe, Tsvangirai e Arthur Mutambara --que lidera uma facção dissidente do MDC-- em um hotel da capital Harare, depois de semanas de tensas negociações.




Sob o acordo de divisão de poder, Tsvangirai ocupará o recém-criado cargo de primeiro-ministro e vai liderar um conselho de ministros que supervisionará o gabinete de Mugabe।
Philimon Bulawayo/Reuters
No acordo, o ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, continua na Presidência
O povo do Zimbábue espera que o acordo seja um primeiro passo na recuperação política e econômica do país. Neste ano, em meio à crise do processo eleitoral, a inflação chegou à porcentagem de 11 milhões e levou a fuga de milhões para os países africanos vizinhos. A audiência que acompanhou a assinatura do acordo incluía os líderes da Tanzânia, Jakaya Kikwete, presidente da União Africana, o rei da Suazilândia, Mswati 3º, e o presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, que mediou as negociações.
Os três líderes do Zimbábue trocaram cópias do acordo e se cumprimentaram. Mugabe e Tsvangirai concordaram, na semana passada, que o acordo encerraria a crise política causada pela reeleição de Mugabe, sob acusações de violência contra opositores e pressão sob os eleitores para votarem nele.
O acordo deve dividir o controle das poderosas forças de segurança que têm sido um dos principais pilares do poder de Mugabe.
O presidente, um ex-comandante de guerrilha, deve manter o controle do Exército, mas o MDC quer dominar as forças policiais.
O partido do presidente, o ZANU-PF, terá 15 cadeiras no gabinete. O MDC terá 13 e a facção dissidente terá outras três.
Mugabe, 84, comanda o Zimbábue desde a independência da Inglaterra, em 1980. Ele permanecerá presidente --uma de suas exigências para assinar o acordo-- e líder do gabinete.












Acordo frágil
Arte Folha Online
Analistas indicam que o acordo de divisão de poder ainda é frágil e exigirá que os ex-rivais coloquem suas diferenças de lado e trabalhem juntos para superar o ceticismo, especialmente dos países ocidentais cujo apoio financeiro será essencial para a recuperação econômica do país.
A União Européia retirou temporariamente as sanções sobre o país africano à espera de que os rivais políticos chegassem ao acordo, informou o líder de política internacional da UE, Javier Solana.
"As sanções não serão alteradas hoje. A decisão provavelmente será tomada em outubro", disse Solana a repórteres, nesta segunda-feira.
Solana disse que a UE precisa estudar os detalhes do acordo, mas que espera uma "nova página" para o país.

domingo, 14 de setembro de 2008

“Um negro que o protestantismo brasileiro esqueceu”

Solano Trindade

Por Hernani Francisco da Silva


Nascido em 24 de julho de 1908, em Recife, filho de Manoel Abílio Trindade, sapateiro, e Merenciana de Jesus, doceira. O negro presbiteriano Francisco Solano Trindade, poeta, cineasta, pintor, homem de teatro e um dos maiores animadores culturais brasileiros do seu tempo, foi para vários críticos, o criador da poesia "assumidamente negra" no Brasil. As comemorações pelo centenário de Solano Trindade concentram-se nas três cidades em que ele viveu mais tempo. No Recife, onde fundou, em 1936, o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana. Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde sofreu perseguições, prisões e apreensão de livros durante o governo Dutra. E em Embu, município de São Paulo, que ele ajudou a batizar como Embu das Artes, onde fica a sede do Teatro Popular Solano Trindade comandado por sua filha e herdeira artística Raquel Trindade. Solano Trindade foi um dos fundadores do que mais tarde se conheceria como movimento negro. Reconhecia a necessidade do negro brasileiro assumir orgulhosamente sua identidade e lutar contra a discriminação, achava que isso deveria ser feito valorizando a cultura popular brasileira de matriz negra, sem excluir os brancos. Por isso fundou, o Teatro Popular Brasileiro, o sucesso do Teatro Popular foi tão grande que era convocado a realizar espetáculos especiais para todas as companhias estrangeiras que passavam por aqui. Solano desenvolveu também carreira de ator, participou de peças teatrais e vários filmes. No final da década de 1920, Solano Trindade torna-se protestante, onde conheceu Maria Margarida Trindade, que era presbiteriana, do seu casamento com Maria Margarida nasceram seis filhos, dois mortos prematuramente e um assassinado pela ditadura militar após o golpe de 1964. Solano teve uma ação importante na igreja, chegou a ser diácono da Igreja Presbiteriana, fazia poemas e citava trechos bíblicos com facilidade, voltado principalmente para o Gólgota e os apóstolos Pedro, Tiago e João evangelista. Foi ali que ele começou o legado da sua vida, seus poemas foram publicados na revista protestante do Colégio XV de Novembro, de Garanhuns, e em jornais do Recife. Só depois dessa fase começaria a nascer a sua poesia negra. Decepcionado com o distanciamento do protestantismo com as questões sociais, incluindo a discriminação contra os negros, ele deixa a igreja, justificando sua saída com um versículo da própria Bíblia: "Se não amas a teu irmão, a quem vês, como podes amar a Deus, a quem não vês?" Assim como Solano Trindade passaram também pelo protestantismo João Cândido, o marinheiro negro, membro da Igreja Metodista de São João de Meriti, que liderou a Revolta da Chibata um importante movimento social ocorrido, no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro. E também o líder camponês João Pedro Teixeira, negro, crente da Igreja Evangélica Presbiteriana, fundador da Liga Camponesa de Sapé na Paraíba. Retratado no filme “Cabra Marcado para Morrer” de Eduardo Coutinho, um marco qualitativo da cinematografia brasileira. Estes e muitos outros, negros e negras passaram por nossas igrejas e deixaram um legado para a humanidade.

Em 2008, ano do centenário do nascimento do "poeta negro" o "poeta do povo", é hora da Igreja Protestante Brasileira resgatar sua memória, dando o reconhecimento a Solano Trindade e muitos outros negros e negras, que contribuíram e contribui para o reino de Deus aqui na terra.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Uol Noticias - Cotidiniano 09/09/08

Os índices de escolaridade, renda e pobreza da população negra registraram melhoras entre 1996 e 2006, mas as condições de vida continuam inferiores às dos brancos no Brasil. A avaliação é de estudo sobre desigualdade racial e de gêneros divulgado nesta terça-feira (9) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo do Ipea tomou como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) lançadas pelo IBGE entre os anos de 1993 e 2006. A designação "branco" ou "negro" foi estabelecida segundo autodeclaração dos pesquisados.

Segundo dados do estudo, em 1996, 82,3% dos negros estavam matriculados em etapas do ensino fundamental adequadas à sua idade e apenas 13,4% no ensino médio. Em 2006, essa porcentagem subiu para 94,2% no ensino fundamental e 37,4% no médio. A proporção de negros e negras que estudavam no ensino médio, entretanto, ainda é muito menor que a de brancos - que chegou a 58,4% em 2006.A renda média do trabalhador negro também cresceu, embora o aumento não seja muito expressivo: o rendimento médio de 2006 foi R$ 19 mais alto que em 1996, ou 3,93%. A queda da diferença entre os dois grupos se deu devido a diminuição dos rendimentos dos homens brancos, que passaram de R$ 1.044,20 a R$ 986,50. Os demais grupos estudados (mulheres brancas e negras e homens negros) tiveram aumentos.Mesmo com essa alta, a discrepância é grande. Os brancos ainda vivem com quase o dobro da renda mensal per capita dos negros - pouco mais de um salário mínimo a mais. Outras constatações do estudo mostram que a população negra é menos protegida pela Previdência Social do que os brancos - especialmente no caso da mulher negra - e começa a trabalhar mais cedo para se aposentar mais tarde.

"A renda dos negros é extremamente baixa comparada à dos brancos, e está muito próxima ao valor do salário mínimo", diz o professor Claudio Dedecca, do departamento de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo.Dedecca explica que a oscilação da renda de negros e brancos teve sinais diferentes entre 1996 e 2006 porque os acréscimos ou decréscimos nos pagamentos têm diferentes origens. "O comportamento da renda dos brancos é definido por negociação coletiva ou fluxos do mercado de trabalho. Então, nesses últimos 13, 14 anos, acompanhou a queda na renda média da população. Já a dos negros está associada à evolução da política do salário mínimo."Além do crescimento dependente das políticas públicas, a evolução da renda entre negros e queda entre os brancos não se refletiu na erradicação da pobreza. Se em 1996 46,7% dos negros eram pobres, o percentual desceu em 2006 para 33,2. Na prática, cerca de 2 milhões de pessoas deixaram a pobreza num período em que a população ganhou mais de 32 milhões de brasileiros. Entre os brancos, o número absoluto de pessoas que deixaram a pobreza foi de cerca de 5 milhões, mesmo a queda em pontos percentuais tendo sido menor - de 21,5% para 14,5%.Especialistas dedicados à questão da desigualdade racial concordam entre si com a raiz histórica deste vácuo econômico entre brancos e negros. Educação básica deficiente e pouco universalizada, a herança histórica deixada por séculos de escravismo e uma tradição de ocupar empregos de pouco prestígio social estão entre as causas da diferença.

Para o sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), o fim da escravidão sem a criação de um mercado de trabalho que absorvesse a mão-de-obra negra e herança de concentração fundiária na mão de ricos produtores agrícolas privaram a população negra de acesso a "mecanismos democráticos de ascensão social, econômica e cultural". "A sociedade brasileira foi constituída em três séculos de colonização e quatro de escravidão. Isso gerou uma estrutura de segregação absoluta que foi sendo superada ao longo do século 20, mas não na velocidade necessária para democratizá-la", explica Baptistini. "Não temos mecanismos para distribuir a renda. É como se no século 21, ainda vivêssemos em uma sociedade escravocrata."O economista Vinícius Garcia, mestre em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp, aponta a geografia como outro importante fator para explicar a concentração da pobreza entre os negros. "No nosso estudo, vimos que a população negra está super-representada nas áreas menos desenvolvidas do país, como no Norte e no Nordeste. E é menos concentrada em regiões como o Sudeste, que tem uma estrutura econômica mais dinâmica", pondera ele.Diretora de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Palmares, Bernardete Lopes defende que o estudo do Ipea é importante para provar à sociedade que os preconceitos raciais não foram superados no Brasil. "Acho que essa pesquisa vai fazer algumas pessoas entenderem quando dizemos que o país precisa de ação afirmativa e precisa de cotas, porque mostra que não vivemos numa democracia racial, e que a discriminação não era pela pobreza, mas sim pela raça e pela cor", afirma.
Mais sobre o estudo
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Mapa da pobreza mudou pouco em dez anos
Você observa uma melhor qualidade de vida para negros no Brasil?"É muito doído perceber que, embora o movimento negro tenha conseguido grandes vitórias e o Estado brasileiro hoje esteja preocupado em diminuir as diferenças, elas continuam sendo sempre o dobro", completa Bernardete, referindo-se a distância de quase 50% entre os salários de pessoas que nasceram com cores de pele diferentes. De república, a gente só tem o nome"As melhorias no acesso à educação formal também não foram capazes de acabar com a desvantagem dos negros em relação aos brancos na escolaridade. Enquanto 58,4% dos brancos estavam em 2006 matriculados no ensino médio com idade adequada para o curso, apenas 37,4% dos negros estavam no mesmo patamar, revelam os dados do Ipea.

Rogério Baptistini também vê nestes números um fundo histórico. "A República nunca criou um sistema universal de igualdade pela educação; nossa educação nunca foi republicana. A abertura da universidade para a qualificação dos mais pobres, na sua maioria negros e miscigenados, é muito recente", diz o sociólogo."Políticas adotadas gradativamente, como as cotas para alunos de escolas públicas e negros, estão tentando corrigir esse desvio histórico na sociedade brasileira, mas ainda não passam da superfície", explica Baptistini. "De república, a gente só tem o nome."Bernardete Lopes acredita que a melhoria deste quadro deve passar necessariamente pela educação básica. "Acho que é preciso melhorar a qualidade do ensino público nas primeiras séries, e continuar com incentivos para que as crianças fiquem na escola e não precisem parar de estudar para ajudar a família a se manter", diz. Para a dirigente da Fundação Palmares, isto é parte do caminho para a emancipação econômica da população negra.Mas, para garantir a eficiência do modelo, as crianças devem gostar de ir à escola. "Uma vez li um estudo de uma socióloga da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que dizia que um dos motivos por que as crianças negras não gostavam da escola por receberem os apelidos mais cruéis entre os colegas", conta Bernardete.